Poder médico, Mídia e Transgeneridade. A quem servis?

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Coisa mais linda é ter sua minoria noticiada na mídia né? Ah ter um programa em rede nacional que fala de transexualidade, crianças, hormonização, empoderamento é show. Será mesmo? A quem serve a mídia golpista? O que interessa ao capital a questão social Trans hein? E quando ocorrem mortes de pessoas trans (algo diário) porque não se discute, acaso não convém?

De novo, acho que vou ganhar inimigos no movimento, mas é preciso provocar, não podemos ficar passivos a situação. O recente programa noturno que “celebrou” a questão trans, teve consultoria de uma mulher trans respeitadíssima no meio, mas como sabemos a edição final sempre fica a cargo da direção e a falta de contemplação dos homens trans para fala ( os presentes tiveram que pedir pra falar) demonstra o quão invisibilizados somos mesmo no movimento trans. Já falei no meu face, apesar de ter algumas trans e travestis apoiando a transmasculinidade, a generalização de que homens trans são estupradores invisibiliza a luta e pra mim é um sério problema. Dá um textão gigante, mas eu falo disso outro dia.

Na mesma semana, um mesmo personagem apareceu em dois programas como consultor, um programa semanal e outro dominical que até iniciou uma série por trás disso. Psicanalista renomado como “apoiador” da causa trans e famoso no meio médico, sei que na aparência ele parece apoiar a causa, mas é sexista e transfóbico. Como vítima, na questão intersexual sei que a dimensão que tem o poder médico que adora dar voltas e servir a mesma causa, de continuar com a norma e o estabilishment, aliada a indústria farmacêutica que investe milhões e bilhões em pesquisas para engordar cada vez mais suas contas bancárias.

Como já falei em textos anteriores, cada um faz o que quiser da vida, mas é necessário pontuar questões e deixar a pulga atrás da orelha da comunidade a qual faço parte. Nesse sentido, uso a minha vivência como intersexo pra servir de base. Fui hormonizado para o feminino desde os 12 anos de idade, como parte do processo normalizador adotado pelos médicos brasileiros e ao redor do mundo para a questão intersexo. Não há nenhum estudo a longo prazo sobre os efeitos da hormonoterapia na vida adulta com a hormonização na adolescência, não há nada que demonstre os riscos que corremos com isso (somos cobaias no caso trans de forma consentida) sem nenhum sinal de alerta ao risco de embrenhar-se no desconhecido, além disso o mercado cirúrgico ganha a cada cirurgia de neovagina e mastectomia realizada, além de ser um buraco penetrável que não garante prazer a pessoa, fica claro a corrida do ouro da vez, anunciar o poder da medicina alopática e cirúrgica para o processo, mas a que preço?

Quando Eu falo da questão da aliança poder médico + mídia em favor da causa trans, deixo como alerta a questão de vários pontos de vista. Em primeiro lugar é atrair a audiência que se perdeu com o golpe e o uso potente das redes sociais da internet pelas minorias como espaço de discussão , empoderamento e divulgação de causas. Em segundo lugar , tudo está sendo preparado pra que a população antes desconhecendo do assunto agora passe a ser informada e se torna cativa e receptiva a um personagem feito por uma atriz CIS que durante a trama vai demonstrar o processo de transição e as questões que ele acarreta, claro com o viés particular de uma autora CIS sobre a questão, sempre será distante da vivência porque cada vivência é singular e diferenciada, ou seja nunca alguém de fora terá uma noção completa do que passamos, mas isso é até compreensivel, mas ao mesmo tempo preocupante. Por que não ter um roteirista trans ou um ator trans para executar tal personagem?

Já falei aqui que a medicina e a industria farmacêutica não dão ponto sem nó. A novela pode ajudar a aumentar as vendas de hormônios e também de produtos específicos para a comunidade trans, mas sempre seremos exotificados e vistos como nicho de mercado e o mercado não leva em conta vidas e sim quanta grana foi colocado da venda de produtos no meu bolso hoje? A heterocisnormatividade também vence no final, porque teremos uma modelo sarada nas telas da TV que vai continuar a pregar o esteótipo da expressão de gênero que é bem-vinda, bombado , hormonizado, mastectomizado e vai demonstrar ao público jovem trans o que é a transgeneridade que chamo de “limpinha” e passável, garantindo segurança ao indivíduo e a adequação a normatividade cis.

Ah, mas o sonho de todo mundo que é trans é ser passável , sim, mas nem todo mundo. Temos as pessoas trans que são não-binárias e invisibilizadas até no próprio movimento. O que me deixa muito triste, porque só demonstra que só somos aceitos por aquilo que aparentamos e isso pra mim nada mais é do que uma vitória do patriarcado sobre a população Trans. Você é transfóbico Amiel? Não. Eu sonho com o dia que a comunidade trans vai acordar para a verdadeira revolução, parar de dar mole pro patriarcado. Dizendo que a aparência é quem faz a pessoa e não o sexo psíquico, aquilo que a pessoa se identifica desde que nasce.

Precisamos levar em conta que existem muito mais gêneros do que a nossa mente pode sonhar. A sociedade precisa aceitar nossa autoidentificação de gênero, além da nossa identidade que transcende ao padrão normativo e pode ser sim bem diferente do homem/mulher CIS e TRANS presente em nossa sociedade. Quando pergunto a quem a midia e o poder médico serve , a resposta é clara, ao bolso e ao patriarcado. A disforia de gênero para mim é um processo que permite a apresentação de um questionamento que pode ser necessário, não para a identificação Trans do indivíduo, mas ao próprio padrão heterocisaparente que serve a um estabelecimento de que o indivíduo deve ser assim ou assado.

Não estou no seu corpo e na sua mente, por isso acho que cada um deve lidar com seu corpo da forma com que lhe agrade, mas ao mesmo tempo não posso deixar de nos provocar e bater na tecla que transcender ao padrão heterocisnormativo não é só assumir nossa transgeneridade, mas afirmar que nossa vida e visão não estão circunscritos a padrões sexistas e moralistas que não conseguem compreender a diversidade da vida humana. Quando psicanalistas ou médicos dizem que quanto mais cedo for feito o processo, maior é a possibilidade de se reverter a transgeneridade do indivíduo. Me perguunto se ao falar isso em rede nacional, mesmo que por um deslize , não está se fazendo um deserviço a causa, sendo contraditório as novas questões que se deseja propagar.

Pitacos e provocações que espero que façam os nossos olhos abrir e o bom diálogo surgir

Um comentário sobre “Poder médico, Mídia e Transgeneridade. A quem servis?

  1. Amiel, você diz que sobre ” um buraco penetrável que não garante prazer a pessoa”. Achei a sua colocação bastante problemática, tendo em vista que não podemos generalizar as sensações das pessoas que passam por essas cirurgias. Acho também problemático você querer dizer que a indústria farmacêutica seria a “malvadona” interessada em lucrar em cima de pessoas trans. No que isso se diferencia do discurso das radfems? Obviamente a industria “quer lucrar”, mas apontar unilateralmente para pessoas trans é o equívoco que pode beirar a transfobia…

    Sobre a questão do “interesse” em lucrar sobre as alterações corporais que pessoas trans reivindicam: é preciso compreender o que se trata de saúde e de mercantilização da saúde no sistema capitalista. Nós temos que sermos críticos da mercantilização do acesso a alterações corporais de pessoas trans. Isso não significa que podemos ser contra o acesso em si de cuidado médico. Eu escrevi mais detalhadamente sobre essa questão aqui: https://www.facebook.com/notes/beatriz-pagliarini-bagagli/sobre-acesso-a-servi%C3%A7os-m%C3%A9dicos-e-o-suposto-mal-capitalista-quando-falamos-de-tr/224762124623462

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